Dentre outras marcas desta estrutura confessional, uma delas pode ser percebida logo que o visitante chega: a grande quantidade de templos católicos. São vários, construídos em diferentes períodos históricos. A expansão urbana está fortemente associada à construção das igrejas. A diversidade de campanários anuncia a cidade para aqueles que se aproximam de Sobral. As edificações religiosas que pontuam os espaços instauram um forte sentimento religioso funcionando como marcos orientadores na articulação urbana, reforçando uma ideia que parece ter se perdido no tempo: a cidade enquanto espaço do sagrado ou, a Igreja enquanto elemento dinamizador da morfologia urbana. Os largos passos que acompanharam a formação de Sobral apresentam intensas características religiosas. De sua gênese e desenvolvimento, da fazenda Caiçara (1742) à condição de Villa Distincta e Real de Sobral (1773) ou Nossa Senhora da Expectação da Vila de Sobral, chegando à categoria de Fidelíssima Cidade Januária do Acaraú (1841), para depois ser somente Sobral (1842); muito podemos notar a influência da Igreja Católica em sua organização social e espacial. Do primeiro bispado, nas primeiras décadas do século XX, ao potentado enquanto “cidade metrópole” da região norte do Estado do Ceará, devemos perseguir no tempo as bases de sua formação e desenvolvimento enquanto elo de ligação entre o pensamento religioso do clero secular e regular nos primeiros anos do século XVIII, ao pensamento do bispo Conde já na segunda centúria. Dom José Tupinambá da Frota, representante do catolicismo ultramontano de fins do século XIX e início do XX, imprimiu um pensamento desenvolvimentista alicerçado no conservadorismo predominante da época, transformando Sobral num “laboratório” a céu aberto, um espaço profundamente disputado entre forças sociais e políticas que se apoderaram de seu passado aristocrático na tentativa de imprimir um sentimento de cidade ideal, onde a Igreja se apresentara enquanto força modificadora não somente dos costumes, mas da própria fisionomia urbana. Os dados do último censo realizado pelo IBGE, em 2022, informam que a população de Sobral é estimada em 203.023 habitantes, numa área territorial de 2.123 km². Localizada no semiárido cearense, cortada pela rodovia BR 222, faz a ligação do Estado com outros mais ao norte (Piauí, Maranhão, Pará). Sempre fora uma cidade influente no contexto político e econômico, produzindo uma tradição de cidade mais desenvolvida que as demais; o “centro” de desenvolvimento das ditas cidades sertanejas. Ficou conhecida por predicados sempre preocupados em estabelecer uma relação de nobreza, distinção e modernidade desde sua origem. Ufanismos ou não, o certo é que essas ideias produziram movimentos à cidade, sendo sua malha urbana o espaço privilegiado dessas transformações, resultando numa morfologia que lhe daria destaque. Para alguns, a própria ideia de modernidade tivera início em Sobral. Segundo Ronaldo Mourão, a história do mundo moderno iniciou-se nessa região. O autor acompanha a narrativa de que as expedições para observação do eclipse de 1919, em busca da comprovação da teoria da relatividade de Albert Einstein, serviram de enorme influência no abandono de todos os padrões absoltos, quer morais ou filosóficos no mundo. Parte dessa expedição – a outra seguiu para ilha de Porto Príncipe, Nova Guiné – esteve em Sobral com intuito de fotografar o eclipse em 29 de maio de 1919. A partir das observações em Sobral, tanto Einstein quanto sua teoria foram definitivamente reconhecidos mundialmente, dando início ao chamado “mundo moderno”. Sobral parecia solidificar seu destaque a nível regional, nacional e agora, mundial. Tal acontecimento científico veio fortalecer o discurso de cidade triunfante, cidade-metrópole. Para o padre João Mendes Lira, outros acontecimentos ajudaram a projetar a cidade no universo da cultura dentro e fora do Estado: o primeiro já citado, a comprovação da teoria da Relatividade; o segundo, a descoberta do Calazar na década de 1950, pelo médico Dr. Thomás Correia Aragão, juntamente com toda sua sintomatologia que “…atraiu para Sobral médicos dos países mais adiantados como Estados Unidos, França, Inglaterra e de todo território nacional”; e terceiro, a criação do Museu Diocesano pelo Bispo Dom José, considerado o quinto museu de artes sacras do pais. Outra dimensão dessa importância pode ser vista pelas edificações produzidas nos espaços urbanos. Em 1999, Sobral foi tombada por lei federal como Patrimônio Histórico Nacional, em grande parte por seu conjunto urbanístico capaz de produzir uma morfologia “cheia de surpresas”, dotada de um sítio muito plano que favoreceu a construção de uma trama de ruas que, embora razoavelmente diretas, seguem a direção dos caminhos e se cruzam sem que se possa perceber no resultado qualquer intenção de ordem ou hierarquia. Em termos urbanísticos “cidade única”, de forma singular, produzida pelo fato da “expontaneidade e irregularidade” a qual seu traçado formara a malha viária, não acompanhando uma “lógica urbana” do pensamento lusitano estabelecido à época, não seguindo, de início, as determinações régias à sua formação, diferentemente de algumas cidades cearenses. Seu desenho foi se constituindo primeiramente em formas desalinhadas para depois apresentar a forma ortogonal que, coadunando com as “formas primitivas” do povoado, lembrava muito mais “velhas cidades medievais ou outras muito mais antigas do litoral brasileiro”. Para o arquiteto Liberal de Castro, Sobral chama a atenção na riqueza de seu conjunto urbano, podendo ser considerado o mais rico do Ceará devido à harmonia produzida pela miscelânea entre as velhas e novas formas. A partir de uma observação cuidadosa ao conjunto arquitetônico, a morfologia urbana permite captar a evolução da própria ocupação do espaço cearense. O processo de interiorização do Ceará colonial se expressa de forma didática em sua espacialidade, pois o predicado inicial conferido ao seu conjunto urbano, apresentado por Liberal de Castro, se deu sob a ótica dos “ciclos econômicos”. Essas questões produziram em Sobral características de um museu de arquiteturas ecléticas formada em distintas épocas. Tais construções, ao conviverem na mesma área, não apresentam predominância de um tipo sobre o outro, tornando-se, portanto, marcos do processo histórico de construção da cidade. A somatória dessas características fora determinante para o reconhecimento da cidade enquanto Patrimônio Histórico Nacional, onde, nos estudos produzidos pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, assim foi apresentada a justificativa para o tombamento. Da fazenda ao povoado, da vila à cidade, percebemos a Igreja presente em cada momento de seu desenvolvimento. Sempre atenta aos espaços e as almas, instituiu seu poder secular em obras e práticas sociais, moldando uma fisionomia urbana bastante característica. Se hoje o pensamento de cidade moderna dá-se devido ao processo de embelezamento urbano por que passa e ao pensamento “progressista” das novas gestões públicas das últimas décadas, preocupadas no seu remodelamento urbano; no passado a determinação imperial ao erguimento da vila sempre fora apontada como o diferencial a ser exaltado; sendo primeiramente nomeada por Villa Distincta e Real de Sobral. O bispo, segundo seus contemporâneos, desejava transformar a cidade em uma “micro Roma” ou um “mini Vaticano”; sendo a Diocese de Sobral conferida o papel de redefinidora da lógica urbanística da cidade, e seu bispo, o perpetuador de uma tradição urbana edificada no pensamento onde o sagrado se projetava enquanto “moldura” da cidade, encontrando um espaço preparado para receber suas intervenções. Dom José, conhecido como “o segundo fundador de Sobral” ou como seu “grande construtor” emergiu como personagem emblemático que, ao pensar a cidade, conseguiu produzir uma outra espacialidade, dotando-a de novas formas, instituindo diferentes significados, influenciado pelos primeiros religiosos que aqui chegaram, os quais apresentavam dinâmicas evangelizadoras, proporcionando as formas que a cidade apresenta até os dias atuais. Dr. Agenor Soares e Silva Júnior